Confira o artigo do diretor de Portos, Mestre e Doutor pela POLI USP, engº Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo
Última flor do Lácio, inculta e bela,
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Amo-te ó rude e doloroso idioma.
Olavo Bilac
A sociedade tem essa característica fundamental de evoluir e adaptar-se às novas situações. Um tema inerente às pessoas que passou a ser tratado com maior abertura é a identificação relacionada a aspectos físicos e comportamentais.
Nesse novo contexto em que se apresentam posições e posturas que a lei reconhece e respeita, está a forma de saudar ou dirigir-se ao público em geral e em particular. Como, por exemplo, um professor pode/deve dirigir-se a seus alunos?
Nas novas atribuições legais a CIPA passou a Ser Comissão interna de Prevenção de Acidentes e Assédio. Como interpretar esse novo papel na comunicação?
No momento aparece com crescente frequência o termo Todes. Esse termo pode ser ofensivo?
O que é todes? É um neologismo, indica uma resposta na forma de pronome, característica de elemento gramatical que vem em lugar do nome. Assim, sua colocação deveria atender a todas as pessoas que se identificam de forma alternativa, supostamente pretende destacar de um grupo aqueles que optam por uma situação intermediária. Sabe-se que, quando se fala ou escreve todos, aponta-se para a totalidade de pessoas. Mas e o termo todes?
Voltando ao tempo do latim, já que nossa língua portuguesa dele provém, enquanto última flor do Lácio, observe-se que o poeta nas três linhas acima usa o termo língua, feminino e idioma, masculino. Numa mesma expressão!
Recordando estudos no antigo ginásio, hoje fundamental 2, revendo numa gramática latina (1) pronomes pessoais nas formas, is masculino, ea feminino e id neutro para objetos e seres inanimados. Esse tratamento estava destinado então às coisas, referíveis no termo latino res. Daí, naquele contexto histórico, pessoas eram masculinas ou femininas, coisas compreendidas no neutro.
Assim eram tratados os escravos, para quem havia lei res mancipi “propriedade autêntica” o direito das coisas que regulava compra e venda. Ressalte-se que escravos eram geralmente de povos derrotados nas guerras, não em decorrência de sua cor.
Seriam os romanos precursores dessa característica linguística? Sabe-se que, por força da dominação de outros povos, tiveram influência considerável em outras línguas atuais e os costumes. Com seu meio de convencimento expresso na famosa Pax Romana, algo como o big stick, ou seja, imposição por dominação, sujeito até a perda da própria vida.
Assim, temos essa característica remanescente da forma neutra, por exemplo no alemão da Germania romana, em das auto e der wagen, o carro em neutro e em masculino. O neutro é mais usado apesar do nome da conceituada fábrica de autos. Ressalte-se que a língua alemã ainda utiliza o complexo sistema de declinações, lógica pura. No inglês da Britannia romana, o neutro remanesce em he, she, it, it para coisas e situações de sujeito indeterminado it’s rainning.
Mas em diversos momentos, neutro aparece inclusive em nosso português. Temos os pronomes demonstrativos este, esta, isto ou esse, essa, isso, aquele, aquela, aquilo. Seguem no português a mesma estrutura latina referindo-se especificamente ao masculino, feminino e neutro. Nosso vernáculo tem inúmeras formas distintas de nossas irmãs neolatinas. Flor e árvore são masculinos em italiano, il fiore, il albero. Ponte também em francês, le pont, enquanto trata-se o mar como feminino, la mer.
Em nosso português os coletivos tem características como “a manada de bois”, “a alcatéia de lobos”, o cardume de peixes, a cáfila de camelos, a vara de porcos. Separei, é claro, “a multidão de pessoas“, afinal, como outro poeta, Vandré compôs em sua antológica Disparada: “.. porque gado a gente trata, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente..”.
Avançando na questão comportamental, objeto de questionamentos dos movimentos feministas de proteção e empoderamento da mulher, lembro-me que fiz um texto sobre a linda canção Marina, onde a letra de Mário Lago sapeca sem a menor cerimônia “aquilo sim é que era mulher”. Como assim, Mário, “aquilo”? Claro que era um imenso elogio machista para uma mulher excepcional, ao dizer que ela era tão bela e atraente que não precisava de maquiagem. Assim, nem deveria jamais utilizar segundo a disposição do autor tratando-a como propriedade exclusiva. “Não pinte esse rosto que eu gosto, que eu gosto e é só meu..” Tudo por amor, claro!
Freud utilizou temos latinos para suas instâncias da psique, em ego, superego e id. Justamente para o termo designativo do neutro ficou a pior imagem, como referiu-se Scliar (2) em sua crônica Freud e o Carnaval “um troglodita conhecido como Id. Id não tem modos, não tem cultura e na verdade mal sabe falar”.
Como se vê, então, pelo menos em aspecto linguístico da matrix romana, incluir alguém no termo todes não parece elogioso, ao contrário, pode ser depreciativo pela carga negativa que o termo neutro traz consigo, não parece agradável ser tratado como coisas, animadas ou não.
Essa não é, por óbvio, a condição pretendida por quem criou ou emprega o atual todes e outros termos da chamada linguagem neutra. O próprio nome neutro já é restritivo com sua decorrência atávica para coisas.
Mas, a escolha é própria, quem se sente melhor assim que o utilize, mas não faça dele uma imposição formal.
Bem, e a Cipa+A, como fazer para emitir um comunicado aos trabalhadores? Essa é um dos desafios. Há muito a avançar nesse caminho, ou não.
Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo. Eng. Civil, Mecânico e de Segurança do Trabalho. Mestre e Doutor pela POLI USP.
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